sanear
BP GRAVATAS 2
Prestação contas
SANEAR TARIFA
Inclusão

Por menos cosquinha na inclusão

Inclusão verdadeira requer um compromisso profundo e contínuo com a mudança estrutural e cultural

13/01/2025 15h00Atualizado há 1 mês
Por: Lucas Oliveira
Fonte: Hélio Taques

Caro leitor, há duas semanas, eu estava dando aulas de língua portuguesa para uma turma de cerca de setenta alunos. Entre eles, havia um grupo de alunos surdos acompanhados por seus tradutores de Libras. Até aquele momento, para mim, tudo parecia estar funcionando bem; ou seja, havia inclusão. Mas, durante o intervalo, uma breve conversa com esses alunos revelou uma lacuna enorme que pouco discutimos. Deixe-me explicar: um indivíduo que nasceu surdo terá mais dificuldade em aprender a língua portuguesa do que alguém que perdeu a audição aos dez anos de idade. Isso é óbvio! No entanto, concursos públicos, por exemplo, não consideram essa diferença e aplicam provas como se todos tivessem o mesmo nível. Para se ter uma noção, uma palavra simples para nós, ouvintes, como “regime”, muitas vezes não é compreendida no processo de leitura por pessoas surdas, pois muitos foram alfabetizados em Libras. Isso revela uma inclusão incompleta.

Nobre leitor, hoje o nosso assunto exigirá de ti empatia. E como disse o cantor nicaraguense Tony Meléndez em uma apresentação ao Papa João Paulo II: “não digam que não podem. Tem um mundo que só está esperando você dizer sim”.  O assunto é inclusão e todos nós, especialmente os educadores, já ouvimos falar sobre ela. Nos últimos anos, esse tema tem sido amplamente discutido em diversos setores da sociedade. Escolas, empresas e instituições destacam a necessidade de incluir pessoas de diferentes origens, capacidades e identidades. Que ótimo! Essa visibilidade sempre foi necessária e continuará sendo. Contudo, precisamos falar sobre uma inclusão que vai além das palavras e das aparências. Uma inclusão que vai além dos slogans, adesivos coloridos ou eventos celebrativos; precisamos de ações concretas e duradouras, porque inclusão de verdade não é só tendência, é transformação.

Um protótipo disso, é a presença de tradutores de Libras que é um passo importante, mas não é suficiente para garantir a igualdade de oportunidades. Precisamos de uma abordagem que reconheça e respeite as diferentes trajetórias de aprendizagem dos alunos com deficiência, ajustando métodos de ensino e avaliação para realmente incluir todos.

Não quero, caro leitor, diminuir ou invisibilizar todas as ações já realizadas em prol da inclusão; essas foram legítimas e ajudaram a construir os direitos que temos hoje. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer. Infelizmente, é comum observarmos iniciativas de inclusão que são meramente simbólicas, ou como versa o título deste artigo: uma cosquinha!  Essas ações muitas vezes se resumem à implementação de políticas que têm mais a ver com cumprir cotas ou demonstrar conformidade com normas do que com promover mudanças reais. Exemplos disso incluem a contratação de pessoas de grupos marginalizados apenas para preencher cotas, sem fornecer suporte adequado ou oportunidades reais de desenvolvimento profissional; a realização de eventos pontuais para celebrar a diversidade, mas sem investir em mudanças estruturais que sustentem a inclusão contínua; e campanhas de marketing que exibem diversidade apenas para melhorar a imagem da marca, sem refletir práticas verdadeiramente inclusivas.

Percebemos assim que esse tipo de inclusão superficial é prejudicial porque cria uma falsa sensação de progresso e pode levar à estagnação na conquista de direitos. Pior ainda, pode levar a sociedade a acreditar que a inclusão já faz parte do seu DNA, quando ainda vemos hospitais sem um tradutor de Libras. Imagine só: você está com dor, é surdo, tenta explicar em Libras para o médico o que você tem, e ele não entende nada. Trágico, não? Isso é exemplo real, de pessoas reais, de pessoas surdas, cadeirantes, cegos e outras deficiências.

Assim é necessário que você, eu, todos nós, percebamos que inclusão verdadeira requer um compromisso profundo e contínuo com a mudança estrutural e cultural. Não se trata apenas de cumprir cotas ou realizar eventos, mas de criar um ambiente onde todas as pessoas se sintam valorizadas e tenham oportunidades iguais de sucesso. Para alcançar essa inclusão genuína, algumas práticas são essenciais. Primeiro, é importante promover a educação contínua sobre diversidade e inclusão para todos na sociedade, incluindo treinamento sobre preconceitos inconscientes e a importância da diversidade para a inovação e o bem-estar coletivo. Segundo, é necessário implementar políticas que vão além das cotas, como programas de mentoria, desenvolvimento de carreira e suporte para necessidades específicas, como adaptações para pessoas com deficiência. Terceiro, é crucial fomentar uma cultura que valorize a diversidade, com líderes políticos que defendam a inclusão e a criação de um ambiente seguro onde todas as vozes possam ser ouvidas e respeitadas. Por fim, é essencial medir regularmente o impacto das iniciativas de inclusão e estar disposto a fazer ajustes, incluindo a coleta de feedback da comunidade envolvida, afinal, eles precisam ser ouvidos em todos os processos de formatação de políticas públicas, especialmente aquelas que os envolvam.

Veja nobre leitor, se não tivermos uma mudança de pensamento, empatia e ação, não seremos capazes de construir uma sociedade justa e solidária e, tampouco, de reduzir as desigualdades sociais e regionais e de promover o bem-estar de todos. Seremos apenas uma versão social do "quase lá". Haja vista que a inclusão verdadeira é um compromisso que exige coragem, dedicação e vontade de enfrentar desafios profundos. Não basta apenas aparentar ser inclusivo; é necessário transformar palavras em ações concretas e duradouras. Afinal, discurso sem prática é como um bolo sem recheio: decepcionante e sem graça.

Hélio Taques é professor de Língua Portuguesa, Supervisor Pedagógico da Escola Institucional do Ministério Público de Mato Grosso, especialista em Proteção Nacional e Internacional dos Direitos Humanos e mestre em Administração. Também atua como ator e escritor, dedicando-se a temas relacionados à cultura e educação.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou com palavras ofensivas.
Cuiabá, MT
Atualizado às 00h03
24°
Parcialmente nublado Máxima: 29° - Mínima: 21°
25°

Sensação

1.03 km/h

Vento

94%

Umidade

Anúncio
Anúncio
Municípios
Anúncio
Últimas notícias
Anúncio
Mais lidas
Anúncio
Anúncio